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Foto do escritorPatricia Seiko Okamoto

A NBR 15.575 e a sustentabilidade


Quais as contribuições da NBR 15.575 para a sustentabilidade? Acredito que são muitas, além daquelas relacionadas à durabilidade, manutenibilidade e adequação ambiental. Neste artigo compartilho alguns conceitos já difundidos (embora acredite que ainda não o bastante), mas também reflexões sobre como entendo que esta norma técnica tem o potencial de impulsionar o desenvolvimento sustentável no setor da Construção Civil.


Muitas das exigências legais brasileiras ainda são prescritivas e não apresentam como deve ser o comportamento de uma edificação ao longo de seu uso, operação e manutenção, nem como devem ser as suas relações com o usuário e com o ambiente no qual é inserida. Por outro lado, na abordagem de desempenho, o usuário passa a ser o foco. As finalidades desejadas são apresentadas, especificadas e descritas, possibilitando a realização de diferentes combinações para se atingi-las.


Quando exigências legais e normativas dizem respeito à redução de impactos ambientais, alguns conceitos mercadológicos comumente adotados para implantação de edificações passam a ser reavaliados. A busca pelo máximo coeficiente de aproveitamento do terreno, passa a ceder lugar para estudos mais detalhados sobre o entorno, sobre o solo, sobre bacias hidrográficas, sobre o clima, sobre a vizinhança, sobre o tráfego, sobre conforto ambiental e sobre outros aspectos particulares a cada caso.


Da extração da matéria-prima ao uso e operação, estimula-se a análise do ciclo de vida do edifício como respaldo para a tomada de decisões de projeto. Exigências quanto às especificações de produtos, componentes e sistemas passam a implicar um melhor mapeamento e reconfiguração de processos para que seja possível a redução dos impactos ambientais de forma realmente completa e eficaz. Em outras palavras, quanto mais aprofundado for o conhecimento dos processos e subprocessos relacionados à construção de edificações, maiores são as chances de se reduzir os impactos ambientais, alcançando-se maiores níveis de sustentabilidade.


O volume de resíduos é ainda bastante preocupante nos canteiros de obras brasileiros

Outra problemática levantada é quanto ao controle de resíduos produzidos no empreendimento e no canteiro de obras. A NBR 15.575 estimula o reuso, a reciclagem ou a disposição final dos resíduos em locais específicos, levantando a discussão em torno da qualidade dos projetos atualmente produzidos no Brasil, dos quais grande parte não considera o emprego otimizado e racionalizado de materiais, componentes, sistemas e serviços.


Do mesmo modo, não há até os dias de hoje e de uma forma generalizada, investimentos mais robustos quanto ao desenvolvimento de ferramentas que auxiliem o controle e o acompanhamento das atividades de descarte. Trata-se esta de uma grande oportunidade para que sejam aprimoradas e desenvolvidas tecnologias que atendam às necessidades práticas quanto à certeza de que os resíduos cheguem ao seu destino final, evitando possíveis desvios, por exemplo.


Em relação à água potável e às águas servidas são apresentadas exigências quanto ao estímulo à redução dos volumes, não prejudicando o atendimento às necessidades humanas de saúde e higiene. Já existem várias tecnologias disponíveis e economicamente acessíveis para que os impactos ambientais sejam reduzidos. A bacia sanitária de 6,8 litros, válvulas de descarga com duplo acionamento, restritores de chuveiro e aeradores de torneiras são bons exemplos disso.


A grande questão é a de que nos projetos precisam constar estas e outras soluções, visando à redução dos consumos de água potável e a sobrecarga da rede sanitária pública. As tecnologias estão disponíveis, algumas com custo quase que desprezível. Trata-se de uma questão de consciência e valorização dos recursos naturais, mas também da necessidade de um aprofundamento quanto às especificações a serem apresentadas em projetos.


É apresentada na NBR 15.575 a necessidade de elaboração de projetos que saibam tirar maior proveito de aspectos peculiares a cada região bioclimática do Brasil, não chegando a propiciar, em muitas ocasiões, o conforto ambiental, mas estabelecendo parâmetros para que o edifício apresente ao menos mínimo desempenho térmico com base nas diferenças de temperatura interna nos ambientes de permanência prolongada e temperatura externa.


Sendo o Brasil um país em desenvolvimento, no qual se faz presente o grande desafio em alinhar o avanço do crescimento com menores impactos ambientais e com o aproveitamento eficiente das condições e recursos naturais disponíveis, a Norma de Desempenho, uma vez exigida para todos os edifícios habitacionais no país, pode ser considerada como um passo bastante significativo para a redução do consumo energético em edificações residenciais.


Em relação ao aspecto econômico, são grandes as contribuições referentes principalmente quanto à durabilidade e a facilidade de ser realizar manutenções. O conceito de vida útil e as preocupações quanto à durabilidade e a manutenibilidade nos edifícios habitacionais, não tiveram suas origens no enfoque ambiental, mas sim no sentido de proteger o consumidor de baixa renda e os agentes financeiros, os quais aplicam seus recursos frequentemente no setor habitacional.


Muitos dos requisitos atualmente presentes na NBR 15.575 são já exigidos atualmente pelo PBQP-H para aceitação de financiamentos de empreendimentos a serem inclusos no programa habitacional Minha Casa Minha Vida. Não só um interesse de agentes financeiros, mas a durabilidade do edifício e de seus sistemas é uma exigência econômica do usuário, associada ao custo global do imóvel e pode ser entendida como a capacidade do edifício e de seus sistemas em manterem suas funções ao longo do tempo, em condições de exposição, uso e manutenção pré-determinadas.


No caso da habitação, caracterizada como um bem de alto valor unitário e geralmente de aquisição única, é necessário se impor parâmetros para regular o mercado, evitando que menores custos iniciais prevaleçam sobre o custo global, comprometendo possivelmente a durabilidade do edifício e, por consequência, o usuário, o qual passa a ter maiores custos com manutenções.


Edifícios mais duráveis podem ser encarados também como aqueles que propiciam menores desperdícios, menor geração de resíduos provenientes de demolições (o que implica substanciosos controles de qualidade em projetos e de execução, envolvendo controles tecnológicos) e menor consumo de recursos em menor espaço de tempo, exceto quando casos de obsolescência originada pelo o usuário (que decreta o fim da vida útil do edifício, quer seja por motivos, tecnológicos urbanos, sociais, de marketing ou outros).

O fato ocorrido no último dia 23 de agosto de 2020 do reservatório, que desabou no bairro de Serraria, Diadema-SP em um conjunto habitacional CDHU, trouxe-me algumas reflexões.


Dois reservatórios tipo torre em concreto armado já estavam desativados há algum tempo e aquele que desabou estava em processo de demolição. Trata-se de uma construção inserida em um contexto habitacional e que teve sua vida útil encerrada por opção e no qual atitudes inadequadas ocorreram após o término desta vida útil. Quantas foram as oportunidades de gestão e de engenharia não aproveitadas antes do colapso do reservatório? Precaver-se ainda não é cultura neste país, infelizmente. Mas a vida útil uma hora se encerra. Cedo ou tarde, mas com certeza.


Estão ainda muito distantes da realidade o efetivo uso do conceito de vida útil e da análise do ciclo de vida para embasar escolhas de soluções tecnológicas, de materiais, de sistemas e de componentes, bem como para que sejam dadas devidas orientações para uso, operação, manutenção e, após o término da vida útil, para realização dos descartes.


No sentido de garantir o desempenho previsto em projeto e a vida útil do edifício e de seus componentes, a NBR 15.575 reforça a importância de se pensar, ainda em fase de projeto, em como um determinado edifício será utilizado, operado e mantido no dia a dia. A norma técnica NBR 14037/2011, que estabelece o conteúdo a ser apresentado nos manuais de operação, uso e manutenção, a NBR 5674/2012 que estabelece requisitos para a gestão do sistema de manutenção de edificações e a recente publicação da norma NBR 16747/2020 de Inspeção Predial corroboram esta necessidade. Somado a isto, acredito que quando passamos a utilizar de forma mais frequente e séria a análise do ciclo de vida no desenvolvimento de projetos e na construção de empreendimentos, somos mais induzidos à reflexão do que poderá ocorrer com a edificação e suas partes ao término da vida útil.


É de suma importância lembrar também a relevante participação do usuário e de sua conscientização quanto à correta e necessária manutenção do edifício e de suas partes, não se eximindo de sua grande responsabilidade quanto à garantia da vida útil. Aliás, esta é uma das maiores contribuições da NBR 15.575, ao meu ver. Até então o papel do usuário não era mencionado em normas técnicas brasileiras. É apresentada como responsabilidade dos usuários evitar que surjam patologias derivadas do uso e operação e manutenção inadequados, comprometendo o desempenho do edifício e de suas partes.

O papel de cada agente da cadeia produtiva é claramente definido, mas somente a união de todos os esforços possibilita a obtenção dos resultados

Aliás, a Norma de Desempenho contribui com a apresentação clara e objetiva das responsabilidades de cada um dos agentes da cadeia produtiva, cabendo a estes a aceitação e o cumprimento de seus deveres perante as demais partes envolvidas no processo de construção civil, bem como de seu real engajamento, visando uma sociedade melhor, a ser refletido em posturas, providências e comportamentos éticos que geram efetivamente resultados práticos. Conceber empreendimentos e construir com qualidade são fundamentais para a obtenção do desempenho e também para a sustentabilidade. As responsabilidades de cada um dos intervenientes bem definidas pela NBR 15.575 procuram não deixar dúvidas sobre tomadas de decisões.


Alterações realizadas pela equipe de execução de obras sem o consentimento do projetista autor é uma situação ainda muito comum em nosso setor. Quer seja por falha do projeto em não vislumbrar situações construtivas na época adequada ou por preferências de execução, este cenário bastante frequente reflete a grande falta de comunicação que ainda há entre projeto e obra. Com a definição objetiva e clara dos papéis de cada agente tende a diminuir o desperdício, o retrabalho, mas também o número de patologias e defeitos da edificação, uma vez que soluções sejam tomadas em conjunto, com diálogo, entendimento entre as partes e com cada um cumprindo com suas obrigações. O desempenho implica em responsabilidades individuais, mas também compartilhadas.


Neste sentido, a avaliação corriqueira e frequente para a contratação de fornecedores também é fundamental. Este assunto abordei em artigo anterior. Além de serem obrigadas a caracterizar o desempenho de seus produtos e sistemas, apresentando informações suficientes para embasar tomadas de decisões, nestas empresas, os processos, profissionais, produtos e/ou serviços devem possuir intrínsecos o valores condizentes com o atendimento às expectativas dos clientes finais, incluindo o atendimento às normas técnicas, compliance, transparência e intolerância à informalidade.


Infelizmente esta última é ainda bastante comum em todos os níveis no setor, como por exemplo, na tratativa à saúde e segurança dos trabalhadores da construção, na gestão de resíduos, no fornecimento de materiais e serviços e na construção de edifícios e áreas inteiras. Maior conscientização e humanização tornam-se necessárias, deixando para trás uma era de extrema racionalização, na qual apenas o menor custo era o objetivo, cedendo lugar a um cenário no qual tendem a se equilibrar melhor o custo, a produtividade e a qualidade.


Outra discussão de impulsionada pela NBR 15.575 trata da contradição atualmente existente entre concepção de edifícios, as reais necessidades de uso, o hábito quanto à forma de se conceber e construir edificações e a cultura de se aceitar simplesmente o que é oferecido pelo mercado. A norma estimula que sejam levantadas discussões em torno de como o setor da construção civil deve se reorganizar, quebrar paradigmas e propor soluções que atendam as reais necessidades de uso, mas que sejam atrativas para todos os envolvidos. Trata-se de um cenário complexo onde muitos são os intervenientes que devem trabalhar de forma sinérgica cada um procurando alcançar suas metas específicas, porém visando uma finalidade convergente.


São necessárias negociações, cooperação, colaboração, estabelecimento de parcerias envolvendo poder público e privado e a busca de conhecimento mais abrangente e detalhado por parte de cada agente da cadeia produtiva em relação aos diversos processos relacionados à construção civil. De forma geral, há a necessidade de uma maior aproximação entre todas as partes envolvidas, as quais deverão entender melhor os processos e as atividades de seus fornecedores, clientes internos e externos, objetivando a geração de melhores produtos, serviços, desempenhos e satisfação.


No aspecto social, a Norma de Desempenho nos estimula a conhecer mais a fundo o comportamento dos usuários , reforçando a importância de concebermos e gerarmos empreendimentos mais adequados às necessidades humanas. Incentiva uma sociedade mais igualitária, contribuindo para a inclusão da população de baixa renda à moradia digna, bem como reforça a inclusão de pessoas com mobilidade reduzida, uma vez que faz referência à NBR 9050.


Conclusões:


Com foco no desempenho e no usuário, a NBR 15.575 estimula o mapeamento e o conhecimento mais detalhado dos processos e uma atuação mais sinérgica, integrada e cooperativa por parte dos agentes de toda a cadeia produtiva, destacando no mercado as empresas e profissionais que realmente objetivam a qualidade na geração de seus produtos, punindo cedo ou tarde aqueles que não atendem às suas exigências.


Promove discussões entorno das responsabilidades profissionais e empresariais, da ética e da civilidade, muitas vezes esquecidas no exercício de atividades no setor da construção civil. Transferências de ônus e desvios tendem a reduzir, uma vez que os deveres e obrigações apresentam-se de forma mais clara.


Tendo em vista a obtenção de maior desempenho e sustentabilidade nas edificações, destaca-se a grande importância da reconfiguração do processo de projeto, responsável pela grande parte do conteúdo sustentável de um edifício, por compreender a atividade de planejamento e importantes tomadas de decisões relativas a todo o ciclo de vida da construção.


Informações e atividades antes desprezadas passam a direcionar a concepção de projetos e a escolha de soluções e fornecedores, relacionando-se diretamente com o grau de sustentabilidade de um determinado edifício. Faz-se essencial o uso inteligente das soluções já disponíveis, ao mesmo tempo que se constitui este um momento de grandes oportunidades para o desenvolvimento de novas tecnologias que sejam economicamente viáveis e ecologicamente corretas.


Embora a NBR 15.575 faça referência a alguns requisitos classificados como de segurança e habitabilidade, estes podem ser também considerados como de sustentabilidade. Preocupações quanto aos esforços de vento em projetos estruturais, a formulação de projetos e a aplicação de sinalizações adequadas no empreendimento (não somente as exigidas pelo Corpo de Bombeiros, mas também aquelas que direcionam usuários da edificação para onde desejam ir) e exigência quanto à correta especificação de guarda-corpos em projetos são alguns exemplos de requisitos que, por envolverem o fator segurança, necessidade básica para o ser humano, podem ser também considerados como requisitos de sustentabilidade.


A NBR 15.575 constitui-se de um instrumento regulatório bastante abrangente e de grande potencial para que seja possível se atingir patamares mais elevados em termos de sustentabilidade e qualidade nas habitações brasileiras. Favorece o desenvolvimento de um setor baseado no conhecimento, na técnica, na boa prática e na prestação de serviços. Incentiva, além de uma melhor qualidade nas construções, o desenvolvimento tecnológico e a inovação.


Embora não gere selos e certificações, a Norma de Desempenho incentiva e contribui para a maior sustentabilidade nas edificações residenciais brasileiras, levantando incertezas e problemas, promovendo novas discussões e impulsionando a melhoria da qualidade em diversos níveis da cadeia produtiva.



Patricia Seiko Okamoto

Qualitéch Consultoria e Projetos LTDA

+55 11 99287-7450

Conheça nosso site: www.qualitechconsultoria.com.br



Patricia Seiko Okamoto é arquiteta formada pela FAU-USP, especialista em Tecnologia e Gestão na Produção de Edifícios e Mestre em Ciências com ênfase em Engenharia Civil e Urbana pela Escola Politécnica da USP. Fundadora e Diretora da Qualitéch Consultoria e Projetos LTDA.

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